Affonso Alves de Camargo

Affonso Alves de Camargo nasceu em Guarapuava a 25 de setembro de 1873, filho de Pedro Alves da Rocha Loures e Francisca de Camargo Loures. Depois de concluir o curso primário, transferiu-se para Curitiba, onde freqüentou o Parthenon Paranaense, Colégio Arthur Loyola, terminando humanidades em São Paulo, em fase preparatória, com vista à Faculdade de Direito. Aprovado com distinção, cumpriu brilhantemente o período universitário, formando-se em 1894.

Já estava a essa altura envolvido em política, por força de inegável vocação de liderança. Valeu-lhe muito o apadrinhamento do conselheiro Jesuíno Marcondes, oráculo do Partido Liberal e último presidente provincial do Paraná. Durante a Revolução Federalista, ainda adolescente, Affonso revelou seu pendor maragato, aliando-se aos correligionários do governador revolucionário João de Menezes Dória.


Foi nomeado chefe de polícia e depois promotor público da Capital, ainda que por pouco tempo.

Nas eleições parlamentares de 1897 disputou, com sucesso, pela oposição, lugar no Congresso Legislativo estadual. Cumpriu cinco legislaturas, sempre com destacada, atuação graças à habilidade e competência na condução das questões político-partidárias. Culto, capaz, dinâmico e planejador, não custou a ocupar espaços importantes, notadamente quando se celebrou a Coligação Republicana, em 1908, de que participou da coordenação do movimento de reconciliação entre os pica-paus e maragatos. Era ainda deputado estadual.

Desde a sua primeira eleição, manteve-se no Congresso Legislativo até 1914. Mantinha permanente colaboração na imprensa, notadamente nos jornais: “A Federação”, “Diário da Tarde” e “Gazeta do Povo”, além de uma movimentada banca de advocacia, apesar dos encargos parlamentares que lhe absorviam o tempo, principalmente a presidência do Congresso Legislativo.

Sua ascensão ganharia contornos definitivos a partir de 1911, no governo Carlos Cavalcanti, do qual era 1º vice-presidente. Desafeito à política partidária, o presidente confiou-lhe integralmente os encargos dessa área, permitindo-lhe ampla liberdade de ação. Com tais triunfos na mão, Affonso preparou sua candidatura à sucessão governamental. Não ganhou pacificamente o governo. Teve pela frente a candidatura do médico e deputado Randolpho Pereira Serzedelo, apoiado por forte dissidência comandada por Alencar Guimarães, Generoso Marques dos Santos e Xavier da Silva, poderoso triunvirato de largas tradições na política local. Mas, ainda assim, Affonso elegeu-se, tendo por base a plataforma de resistir até a última gota de sangue à ameaça ao território paranaense do Contestado. Este foi povoado por bandeirantes curitibanos, desde o século XVIII.

Um pseudo “direito” oriundo de decreto de D. João VI (1820) e mesmo quando conseqüências ulteriores, dele proveniente fossem reais, estaria em desacordo com o direito da mesma posse derivado. Este argumento, o do “uti possidetis” conferiu ao Barão do Rio Branco vitória contra Zeballos, advogado argentino, no caso de Missões.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, contrária aos direitos paranaenses, publicada em 06 de julho de 1904, causou profundo abalo. Entretanto, em face de embargos opostos à sentença. A questão vinha se arrastando. Exauridos todos os recursos judiciais, e na iminência da execução da sentença, chegou ao clímax em 1916. Ou o Paraná se sujeitava ao acordo proposto pelo presidente da República, Wenceslau Braz, perdendo 28.000 quilômetros quadrados do seu território, ou se submeteria a maiores danos e perdas, pois o acórdão do Supremo alcançava, em favor de Santa Catarina, as margens do Rio Iguaçu.

Resistir à força das armas, como desejavam alguns, era temeridade. Selar o acordo, suicídio político. Os interesses do Estado, entretanto, estavam acima das paixões que dividiam a população. O entendimento poderia resgatar área que hoje compreende dezenas de municípios, tais como: Palmas, Pato Branco, Francisco Beltrão, Mangueirinha, Clevelândia, etc.

Pressionado por essas perplexidades, Affonso não teve outra alternativa, senão assentir para salvar grande parte da área contestada. A maioria do Congresso Legislativo respaldou-lhe a dramática decisão, referendando-lhe o ato corajoso. O acordo foi celebrado a 20 de outubro de 1916.

Atacado impiedosamente pelos radicais, respondeu o presidente paranaense: “Agora, se julgardes que o humilde filho desta abençoada terra errou, não obstante os aplausos gerais da nação, dos poderes Executivo e Legislativo da República e das suas forças armadas de terra e mar, de todos os Estados da União, da alta magistratura do país, da mocidade das escolas, das classes conservadoras do Estado, dos nossos eminentes advogados e de jurisconsultos eméritos, entre eles o grande brasileiro Ruy Barbosa, todos unânimes em declarar que mais do que foi feito era impossível se conseguir para o Paraná na sua atual aflitíssima situação; se, mesmo com essas manifestações de confortante solidariedade por esse ato da minha vida pública, ainda julgardes que errei, então seja Deus testemunha da sinceridade com que agi nesta fase histórica, querendo, de todo coração, fazer a felicidade da família paranaense, trazendo-lhe a paz e a prosperidade no presente, para assim preparar em futuro próximo, a grandeza do nosso Estado, que tem todos os elementos para ser forte, rico e poderoso dentro da Pátria grande - que é o nosso estremecido Brasil. Palácio da Presidência do Estado do Paraná, em Curitiba, aos 25 de novembro de 1916”. (ass. Affonso Alves Camargo).

O fantasma do “Acordo do Contestado” lhe perseguiria a carreira política, sob o estímulo da oposição ao seu governo, pois se tornou enorme a frustração do povo, tendo havido em algumas regiões, como em União da Vitória, a tentativa de movimento separatista. Todavia, não declinou seu poderio político. Preparou seu sucessor, Caetano Munhoz da Rocha, que exerceu dois mandatos consecutivos e voltaria ao governo em 1928. Mandou, de forma absoluta, durante 19 anos.

Elegeu-se deputado federal em 1921, sendo 1º vice-presidente da Câmara dos Deputados. No ano seguinte, com a vaga aberta por Xavier da Silva, chegou ao Senado, onde se manteria até 1927, mantendo sob controle a liderança que exercia na política paranaense, cada vez mais abrangente, já que a própria oposição não se aventurava aos enfrentamentos das urnas. Caetano Munhoz da Rocha não teve competidores, nem o próprio Affonso no seu segundo pleito governamental.

Seus períodos governamentais foram agitados, não só pelas tensões provocadas pela Primeira Guerra Mundial, quanto pela crise da erva-mate, a qual aniquilou as finanças do Estado, acrescido do “crack”, da Bolsa de Nova Iorque. Com essas repercussões, o funcionalismo viu atrasarem seus vencimentos e a economia estadual diluir-se. Foram esses alguns dos ingredientes que serviram de combustível à Revolução de 1930. No Paraná, da sua administração destacamos a ligação rodoviária Curitiba – Foz do Iguaçu, a construção do ramal ferroviário de Jaguariaiva e Jacarezinho, que permitiu a penetração no norte do Paraná, abrindo perspectivas para o “rush” do café e a colonização daquela importante área.

A abertura da linha férrea até Guarapuava foi outra realização meritória. Preocupou-se com o Porto de Paranaguá e notadamente com a melhoria do nível do ensino em todos os graus. O Ginásio Paranaense foi equiparado ao Colégio D. Pedro II e nossas escolas superiores tiveram reconhecimento oficial graças a sua iniciativa.

Fundou o Banco do Estado do Paraná e abriu novos horizontes ao plantio do café no norte do Estado, com medidas de estímulo ao processo de colonização, idealizado inicialmente pelos empresários ingleses.

Deu integral apoio às atividades culturais, promovendo alguns literatos e músicos aos cargos eletivos, de que são exemplo Nestor Victor, Rocha Pombo e Léo Kessler. Instalou ainda a Granja do Canguiri, a Bolsa de Títulos de Valores e a Câmara Sindical. Iniciou igualmente a construção da estrada da Ribeira, entre outros empreendimentos.

Era casado com Etelvina Rebelo, filha do coronel José Pinto Rebelo, descendente de troncos tradicionais. Professor catedrático da Faculdade de Direito, seu amor pela instrução pública inspirou-o a reformas e melhoramentos essenciais nesse campo.

Apesar dos desgastes característicos das oligarquias demasiado longas, seu predomínio absoluto na política paranaense só foi interrompido em 1930, com a revolução liderada por Getúlio Vargas. Amargou terrível ostracismo e abandono, próprios dessas ocasiões passionais. Afastado das lides políticas, dedicou-se exclusivamente ao magistério, onde suas qualidades de professor realçaram cada vez mais seu perfil intelectual.

Faleceu em Curitiba a 16 de abril de 1959.

Biografia: História biográfica da república no Paraná, de David Carneiro e Túlio Vargas, 1994.
Foto: Galeria do Salão dos Governadores do Palácio Iguaçu, reproduzida pro Simone Fabiano.